Para especialistas, ainda não está claro se todas as funções podem ser realizadas sem contrato por meio da CLT. Principais divergências estão nos casos em que há relação de dependência.O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu autorizar a terceirização para atividade-fim em qualquer esfera profissional. Na prática, todas as ocupações, nos diferentes níveis de uma empresa, poderão ser terceirizadas. A decisão foi marcada por polêmicas e registrou placar disputado: sete ministros votaram pela autorização da terceirização, enquanto quatro julgaram improcedente a liberação irrestrita. O assunto ainda é controverso e pouco compreendido por parte dos trabalhadores.De acordo com Lucas Santos, da Mendonça e Santos Sociedade de Advogados, a liberalização possibilita maior compreensão por parte da sociedade. “Essa é uma pauta antiga dos setores produtores. É inegável que a forma pela qual a terceirização estava sendo regulada, só por um entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), tornava-a precária. Era difícil explicar para o empresário. Na minha compreensão, o STF entendeu que o TST estava adentrando em uma área do Poder Legislativo”, explica.Em março de 2017, o presidente Michel Temer sancionou o projeto que liberava a terceirização das atividades de uma empresa para qualquer função. Em novembro do mesmo ano, com a aprovação da Reforma Trabalhista, pelo Congresso Nacional, a terceirização irrestrita integral das funções estava autorizada, com alteração de alguns pontos.No entanto, mesmo com a regularização, o assunto ainda era impreciso para empregados e empregadores do país. Antes da decisão do STF, o TST possuía uma jurisprudência vedando a terceirização a todas as atividades-fim, restringindo-se somente às atividades-meio. Agora, com a autorização do STF, o impasse — que envolvia, aproximadamente, quatro mil processos referentes à terceirização que estavam em tramitação no país — deve ser resolvido.Para Fábio Chong, sócio da área trabalhista do L. O. Baptista Advogados, a decisão do STF remete ao entendimento adotado no ano passado. “O Supremo não autorizou a liberalização. O que os ministros fizeram foi julgar a validade daquela súmula do TST e, a partir da decisão da semana passada, entendeu que ela não era válida.”Com a autorização irrestrita do STF, muitas dúvidas ainda pairam sobre empresários e trabalhadores. Para efeito de diferenciação, a terceirização da atividade-fim relaciona-se a todas as funções de uma empresa. Como exemplo, um hospital pode contratar os serviços de uma companhia para desempenhar o objetivo principal da empresa contratante, no caso, de serviços médicos. Ou seja, um médico, terceirizado, exercendo o tipo de trabalho diretamente ligado ao propósito do hospital. A partir da conceituação, uma das principais dúvidas relaciona-se à diferenciação entre funcionários terceirizados e aqueles que trabalham em regime de pejotização, como pessoa jurídica (PJ).Um empregado contratado como PJ, apesar de pessoa física, responde à empresa contratante como pessoa jurídica, além de que o trabalho desempenhado aproxima-se das relações consideradas como de vínculo trabalhista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), entre as quais regularidade, pessoalidade, onerosidade e subordinação. Na prática, a firma que o contratou isenta-se do pagamento de encargos sociais, benefícios e direitos trabalhistas, apenas concedendo-lhe o pagamento, em nota fiscal, como se o trabalhador equivalesse a uma companhia. Já um funcionário terceirizado é regido pela CLT é assegurado pela legislação trabalhista. Empresas que burlam o sistema de vínculos trabalhistas e praticam a pejotização estão sujeitas a processos trabalhistas.SubordinaçãoApesar do STF conceder a liberação irrestrita, especialistas alertam que a legislação condena a relação de subordinação entre empregados e empregadores na modalidade de terceirização. “Muitos se questionam se você pode terceirizar qualquer coisa. Por exemplo, uma escola pode terceirizar a função de um professor? Na prática, o professor acaba não podendo ter relação de subordinação com a direção. É uma terceirização que não deveria ocorrer”, adverte Fábio Chong.Para Fernando Abdalla, sócio do escritório Abdalla Advogados, apesar da liberalização autorizada pelo STF, o conceito “irrestrito” deve ser analisado com cautela. “A decisão determina que se possa terceirizar a atividade-fim, mas não se é permitida a terceirização caso a relação seja de subordinação. Aí já não seria terceirização, seria uma relação direta de emprego.”A terceirização envolve alterações nas relações empregatícias. O professor livre-docente de direito tributário da Universidade de São Paulo (USP), Cristiano Carvalho, vê o impacto como positivo. “A terceirização permite um maior número de contratações. Não é que menos pessoas vão ganhar, mais gente vai ganhar.”Para Luiz Gonzaga, 54, que foi garçom por 15 anos em Brasília, sendo funcionário terceirizado, a legalização é fator positivo, mesmo tendo perdido recentemente o emprego. “É um investimento para a economia do país, gerando mais empregos”, defende. Se esse tipo de serviço acabar, será um “desastre” para o país, na definição dele. Para Lucas Santos, a liberalização irrestrita envolve dois lados. “Para as empresas, a possibilidade de terceirizar as atividades para companhias especializadas em determinadas atividades facilita muito a gestão. Agora, tem que se analisar a questão da subordinação entre empregado terceirizado e empresa contratante. Ao meu ver, é difícil não haver uma relação de subordinação. Além disso, pesquisas indicam que empregados terceirizados possuem salário menor em relação a outros do mesmo cargo na empresa.”No entanto, na opinião de João Carlos Gonçalves, secretário-geral da Força Sindical, a medida anunciada pelo STF na semana passada representa a perda de direitos dos empregados. “Foi um prejuízo grave para trabalhadores. Vão entrar pessoas, nas empresas, de outras categorias e, com isso, não vai haver garantia. Posso afirmar que o movimento sindical vai debater isso nas convenções coletivas para que se cumpram as regra estabelecidas pelas convenções coletivas daquele ramo”, garante.De acordo com Fernando Abdalla, a decisão altera minimamente as condições do empregado. “Não faz tanta diferença. Ele terá carteira assinada pela empresa terceirizada. É importante também reforçar a importância de um sindicato legal, que vai representá-lo e defendê-lo. De acordo com Abdalla, o empregador, agora, terá segurança jurídica e poderá organizar sua produção, de forma econômica, que garanta uma maior autonomia, sem interferência da justiça. “Mas, na minha visão, não está tudo resolvido, já que a justiça do trabalho, até por um viés de ideologia social, pode querer combater o assunto, ampliando o conceito de subordinação”, revela.Com a liberalização da terceirização para atividade-fim, muitos questionam o impacto da decisão além do setor privado. Para o advogado Fernando Abdalla, a medida ainda é incerta. “A terceirização no setor público é mais sensível, ameaçando o concurso público. Precisa ser auferido pelo administrador público.”Estudante de enfermagem, Aline Freire, 23, defende a terceirização, mas espera que os concursos públicos não sejam retirados. “É bom gerar empregos, mas eu defendo o serviço público.” Ela sonha em ser funcionária pública de sua área. “Estou estudando para as provas, mas não condeno a terceirização.”Na visão de Lucas Bastos, a discussão de terceirização remonta ao início do setor público. “O interessante é que a terceirização nasceu no setor público. De fato, para quem observa o movimento de flexibilização no setor privado, a previsão é de que o próximo passo seria no setor público, mas acredito que isso entraria nas atividades acessórias, algo que não seja muito específico e privativo. A discussão ficou mais próxima para poder começar a ser tratada”, esclarece.Fonte: Correio Braziliense