Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional regulamentou a dação em pagamento de bens imóveis para extinção de débitos tributários federais. As regras estão na Portaria 32/2018, publicada no dia 9 de fevereiro, mas são vistas com resistência por especialistas ouvidos pela ConJur, que temem excessiva burocracia e enriquecimento ilícito da União.
Com norma, será possível transferir fazenda para quitar dívida tributária.
A dação em pagamento ocorre quando o credor concorda em extinguir o débito ao receber do devedor uma prestação diversa da que lhe é devida.
A Lei Complementar 104/2001 modificou o Código Tributário Nacional para permitir esse tipo de prática nos casos de dívidas fiscais. Nesse âmbito, no entanto, a operação só pode ser feita com bens imóveis, ressalta Rodrigo Forcenette, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes.
Apesar de a transação estar prevista no CTN, ressalta o tributarista, a norma não era autoaplicável e dependia de regulamentação por parte de cada ente – União, estados e municípios. Algumas cidades já vinham aceitando essa transação, mas a União só permitiu a prática para seus impostos no ano retrasado, com a Lei 13.259/2016. A Portaria PGFN 32/2018 passou a estabelecer os critérios para a medida.
Regras para a dação
Só é possível extinguir, via dação em pagamento de bens imóveis, os débitos inscritos em dívida ativa da União. Não dá para fazer essa transação com dívidas do Simples Nacional.
O contribuinte que quiser transferir um imóvel ao Fisco para extinguir seus débitos deve apresentar requerimento na unidade da PGFN de seu domicílio tributário. Para isso, ele deve mostrar que o bem está em seu nome e livre de quaisquer ônus.
O pedido deve abranger a totalidade do débito. Caso o imóvel valha menos do que a dívida, o contribuinte pode complementar a diferença em dinheiro. Porém, se o bem valer mais, ele deve renunciar expressamente a receber a diferença da União.
Na visão dos tributaristas Breno Ferreira Martins Vasconcelos e Maria Raphaela Dadona Matthiesen, do Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados, essa regra é exemplo de possível enriquecimento ilícito da União.
“Se o bem foi avaliado e é conveniente a sua incorporação ao patrimônio público, por que não devolver ao contribuinte o valor da diferença, no caso de dação de bem que valha mais que a dívida? Façamos um paralelo com o artigo 24 da Lei de Execuções Fiscais, que disciplina a adjudicação de um bem penhorado pela Fazenda Pública. Segundo o dispositivo, quando o bem tiver valor superior à dívida, ‘a adjudicação somente será deferida pelo juiz se a diferença for depositada, pela exequente, à ordem do juízo, no prazo de 30 dias’”, analisam.
O laudo sobre o imóvel será emitido pela instituição financeira oficial (Caixa Econômica Federal), se o bem for urbano, ou pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), se for rural.
De acordo com Vasconcelos e Maria Raphaela, a centralização das avaliações apenas nesses dois órgãos “cria uma excessiva burocracia”. Dessa maneira, deverá desestimular contribuintes a optarem pelo procedimento da dação em pagamento.
Na análise dos advogados, o ideal seria criar um cadastro nacional de empresas aptas a fazer essas análises. Isso, destacam, descongestionaria os órgãos oficiais, que só deveriam fixar as quantias dos imóveis quando a PGFN discordasse das avaliações de companhias privadas.
A dação em pagamento do imóvel depende de manifestação de interesse da União, além de anuência prévia da Secretaria do Patrimônio da União e declaração de disponibilidade orçamentária e financeira do valor envolvido.
Para Ricardo Godoy Paiva, do Siqueira Castro Advogados, uma vez atendidas as condições estabelecidas pela Portaria PGFN 32/2018, a administração pública não pode negar o direito subjetivo do contribuinte de pagar sua dívida com a dação de bens imóveis sob o argumento de ausência de interesse público. Caso contrário, a União estará violando o princípio da legalidade estrita.
Ordem sem fundamento
A norma também prevê que os depósitos vinculados aos débitos objeto do requerimento de extinção serão automaticamente transformados em pagamento definitivo ou convertidos em renda da União. Breno Vasconcelos e Maria Raphaela Matthiesen ressaltam que, com isso, a portaria cria uma ordem de preferência sem base legal.
“A redação desse parágrafo [4º do inciso II do artigo 4º] deixa subentendido que, primeiro, converte-se o depósito em renda da União e, depois, o eventual débito remanescente será quitado pela dação. Ou seja, a portaria cria uma clara ordem preferencial para a quitação do débito (primeiro o depósito, depois o imóvel), previsão que não encontra fundamento na lei. Esse parágrafo afronta a regra de que a execução deverá correr do modo menos gravoso para o devedor (artigo 805 do Código de Processo Civil)”, dizem.
Além disso, os tributaristas opinam que seria inadequada eventual alegação da PGFN de que a Lei de Execuções Fiscais previu uma ordem de prioridade para o oferecimento de garantias aos débitos. Isso porque a portaria não fala em garantia, mas em quitação da dívida. Logo, a regra análoga seria o artigo 156 do CTN, “que não define qualquer escalonamento entre as modalidades de extinção”.
Na hipótese de a incorporação do imóvel ao patrimônio federal não ser concluída, a aceitação será desfeita, e seus efeitos, cancelados, determina a portaria. Só que faltou regulamentar os efeitos dessa medida, dizem os integrantes do Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados, uma vez que o artigo 4º obriga o contribuinte a “desistir das ações judiciais que tenham por objeto os débitos que serão quitados”.
“Imagine a situação em que, após renunciar aos embargos à execução fiscal e ver seu requerimento aprovado pela PGFN, o imóvel não é incorporado “por qualquer motivo” ao patrimônio da União. Nesse caso, deve-se anular todos os atos, devolvendo ao contribuinte o direito de continuar discutindo o débito judicialmente”, explicam.
Já Ricardo Paiva levanta a questão do ganho de capital decorrente da alienação de bens imóveis, que é fato gerador do Imposto de Renda. Embora a Portaria PGFN 32/2018 nada diga a respeito do tema, “nada impede o Fisco de exigir os valores oriundos do lucro, uma vez que a dação do bem para a extinção do crédito tributário se comporta de modo semelhante à alienação de imóvel”.
Conjur - Por Sérgio Rodas