Receita aproveita paralisação de caminhoneiros para arrecadar mais

A Receita Federal aproveitou o projeto de lei da reoneração da folha de pagamento, sancionado no fim de maio em meio à pressão da paralisação dos caminhoneiros, para endurecer a lei que rege a compensação de débitos fiscais com créditos tributários.Os jabutis, como são chamadas as mudanças na lei que não têm a ver com o objeto principal de um projeto, são uma reação à disparada no uso de créditos para quitar débitos com o Fisco.Entre 2013 e 2017, a alta no uso das compensações foi de mais de 50%, com destaque para quitação de IRPJ (Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).As novas restrições, que já foram sancionadas pelo presidente da República, Michel Temer, e estão em fase de regularização pela Receita, afetarão o fluxo de caixa das empresas, segundo a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).O Fisco ainda não calculou quanto ganhará em receita, mas, segundo fontes próximas às conversas ouvidas pela reportagem, a estimativa é que o valor seja na casa da dezena de bilhões de reais.A alteração de maior impacto é a que proíbe empresas que recolhem por estimativa de abaterem impostos sobre a renda (IRPJ e CSLL) com créditos. Nesse regime, a projeção do lucro futuro serve de base para o pagamento mensal de impostos.Esse tipo de compensação, que superou os R$ 25 bilhões no ano passado, é amplamente usada pelas empresas que recolhem por esse regime, que o consideram um dos principais atrativos do sistema por estimativa. Na prática, os resultados ruins do ano iam sendo automaticamente compensados pelos bons.O efeito será importante, já que, no total, a Receita arrecadou R$ 95 bilhões no regime por estimativa em 2017. Ou seja, a vedação alcança cerca de 25% do total pago nessa modalidade de pagamento de impostos."Isso vai impactar o fluxo mensal de caixa das empresas, que terão de tomar capital de giro para assumir esses débitos mensais", afirmou Helcio Honda, diretor do departamento jurídico da Fiesp.Para o advogado, a situação é delicada pelo momento atual da economia. "Praticamente todas as empresas brasileiras estão enfrentando problemas financeiros em virtude da crise econômica."Para a Receita, as medidas são necessárias para impedir perda de receita, ainda mais em tempos em que as dificuldades enfrentadas pela economia se traduzem em queda de arrecadação.Além disso, o Fisco afirma que boa parte dos documentos que são anexados atualmente para comprovar o direito ao crédito não é válida.Em outras palavras, possuem grande chance de serem contestados no futuro, já que o órgão tem cinco anos para fazer a homologação das compensações de impostos.No projeto, para embasar a alteração, uma das justificativas foi a de que os pedidos de abatimento de débitos com créditos somam R$ 309,1 bilhões, mas somente R$ 160,5 bilhões estão amparados em créditos válidos.É por isso que outra mudança, também aprovada na esteira da reoneração, veda o uso de créditos que já estejam sob investigação da Receita.Na avaliação da Fiesp, essa medida acaba dando ao órgão uma espécie de cheque em branco para barrar compensações quando desejar."Essa medida pode punir os bons contribuintes, na medida em que basta a abertura de um procedimento fiscal para suspender a compensação", afirmou Honda.Uma terceira alteração veda o uso de créditos gerados a partir do pagamento de salário-maternidade e salário-família para pagar tributos.Ao mesmo tempo em que colocou três proibições ao uso desse mecanismo, um antigo pleito das empresas foi atendido, que é a possibilidade do uso de créditos previdenciários para o abatimento de tributos federais.A medida só é válida para as pessoas jurídicas que usam o eSocial e para créditos gerados a partir deste ano."É um avanço, mas ao mesmo tempo não alcança os débitos anteriores. Queremos que alguma emenda parlamentar modifique esse ponto depois", disse Honda.A vinculação ao programa também é uma forma de estimular as grandes empresas a usarem o sistema eSocial, o que permite ao Fisco um controle de dados maior.FOLHAPRESS